domingo, 31 de março de 2013

Pequenas Tragédias Cotidianas Nº 2

Tarde. Verão. Pôr-do-sol.
Vestido. Sandálias. Barba. Chapéu.
Ondas. Luau. Areia. Céu.
Canção. Violão. Sorrisos. Paixão
Cheiro. Gosto. Rosto.
Tato. Olfato. Paladar.
Mãos. Cabelos. Pelos.
Gemidos. Suspiros. Banho. Mar.
Tempo. Distância.
Barriga. Criança.
Ausência. Falta. Fome. Dor.
Dinheiro. Juiz. Cadeia.
Revolta. Fuga. Briga.
Sangue. Morte. Fim

quinta-feira, 28 de março de 2013

Pequenas Tragédias Cotidianas

Morrera de frio numa madrugada de outono há muitos anos, mas, preferiu, se é que era possível preferir, não sair daquele mesmo lugar. Continuou do mesmo jeito, na mesma posição, com o mesmo aspecto durante um longo tempo.
Desencarnou de um lugar onde já não havia carne, eram ossos apenas e uma pele dura. De sol a sol, de pó a pó, de frio a frio.
Em vida, já era um fantasma. Não tinha noção de horas, dias, anos, nome, endereço, família, nada. Não tinha lembranças.
Nos últimos tempos já nem se lembrava como era falar, depois de tantas tentativas, sem sucesso, de ser ouvido.
No início ainda tinha consciência, quando sóbrio. Lembrava-se de onde vinha e porque estava ali. Mas, o tempo foi passando e foi se criando uma consciência flutuante, que servia apenas para os fatos recorrentes em seu dia-a-dia nas ruas.
E um dia resolveu se instalar na esquina de uma rua movimentada, sob a porta de uma velha padaria que não funcionava mais. Ali ficou cumprindo sua pena de vida. Ainda neste tempo a chuva o incomodava.
O papelão que servia de cama, depois de uma chuva que durou quase uma semana, grudou-se em seu corpo. Fixou-se em sua casca. Ele não era negro, nem branco, nem pardo, nem bugre. Era da cor da sujeira. Da cor do chão. Do limbo. Do chorume. Fedia.
Algumas semanas antes de sua passagem teve momentos de lucidez e tentou se levantar. Não conseguiu. Tentou gritar, mas, sua boca sequer abriu. Decidiu que este mundo já não servia para si.
Mas, quem disse que ele poderia decidir algo? Quanto mais sobre si, se ele mesmo já nem existia há tempos. E foi morrendo aos poucos.
O corpo apodrecido pela vida jazia ali aos pés dos transeuntes e ninguém percebeu quando o coração não batia mais. Quem ia se importar? Era só mais um.
O corpo se foi. O que restou ficou por ali, na mesma posição. Sem acreditar em nada, sem querer mudar. Não assombrava, não atormentava, não se encostava em ninguém. Esperava sem esperança, esperava sem esperar.
Diante da ideia que lhe deu na cuca sobre a imortalidade da alma ele riu e disse pra sua própria ideia que aquilo era bobagem. Onde já se viu?!
Quando ouviu sua própria voz, tomou um susto. Resolveu se levantar e saiu caminhando em busca de alguma resposta, em busca de alguma luz.

segunda-feira, 25 de março de 2013

História de Filme Que Deixa a Gente Com Raiva no Fim

Ele gastou horas escrevendo o e-mail perfeito. Checou e revisou todas as palavras e ideias mais de dez vezes. Ela já o recebeu, mas, deixou pra ler mais tarde. Não deu tempo.
Ela estava saindo para o almoço quando o inesperado fez um surpresa. Um vagabundo qualquer que liderava um bando de bandoleiros do asfalto quente pegou-a pelo braço e disse "nós vamos ali, neném!".Seu coração faltou sair pela boca, nunca havia suado tão frio na vida. O cara saiu rua afora arrastando-a e ela num misto de medo e vontade de gritar, seguia a trilha sem titubeios.
Nunca tivera se sentido tão segura na vida. O vagabundo canalha tinha uma pegada, mil vezes maior do que a do frouxo do namorado. Que perdia tempo com imbecilidades do tipo flores e poesia. Esse não, era diferente, era másculo, forte, poderoso.
Envolta em pensamentos quase eróticos, ela chegou no cafofo, onde outros homens armados fizeram reverência ao rei. "É aqui, neném, tá afim de morar aqui comigo? Largue toda a sua vidinha de almoço de domingo-parque-missa. Grana, segurança, pegada forte e tudo o que você achar que tem direito nesse mundo. Tá afim?"
Ao invés do bandido, quem se rendeu foi a refém e caiu na cama do crápula.
Enquanto isso, o namorado esperava uma resposta. E esperou e chorou todo o tempo em que a polícia  a procurava, a família se desesperava com o sumiço repentino da moça de família que se foi com um vagabundo qualquer raptada na hora do almoço.
Uns choravam e ela comemorava. Virou a primeira-dama do crime, aprendeu a atirar, fumar e outras coisas que não convém contar. Tornou o vagabundo um empresário do crime, mudou seu guarda-roupas e sua forma de falar. Fez o negócio prosperar.
O ex vagabundo já estava tão feliz com os negócios que sonhava em largar o crime. Mas, toda que essa ideia lhe passava pela cabeça e escorria-lhe pelos lábios ela dizia "Tá querendo fuder o negócio, pô? Vou estourar sua cabeça na próxima vez em que cogitar honestidade nesse lugar!"
Ele chorou. Aquele que no começo do texto eu tratei de vagabundo e que a esta altura do campeonato tornou-se ele, chorou.
Foram se deitar. Já fazia dois anos que o tal do ex namorado havia mandado o e-mail e até agora ela não tinha aberto ainda e ninguém sabia por onde ela andava.
Naquela noite, o homem durão, cheio de pegada, que fazia e acontecia, havia chorado. Não se sabe se era raiva, vontade de voltar no tempo e não agarrar ninguém na rua, não se sabe.
"Seu porra, pega um drink pra mim"
"Seu porra? Seu porra?" Aquelas palavras fizeram a cabeça dele girar. E ele caiu, teve um acidente vascular cerebral. Morreu ali mesmo. E ela disse aos empregados "Seus merdas, tirem esse porra daqui! Joguem no lixo, toquem fogo, mas, não quero mais saber dele, morreu, morreu, que deuzutenha!"
Resolveu ir ao computador do falecido e abrir sua velha caixa de e-mail. Quando viu aquele com título "Com Todo o Amor que Houver Nessa Vida" e o remetente sendo o ex namorado, uma lágrima escorreu, ela deu um quase sorriso e clicou para abrir o e-mail. A polícia chegou trocando tiros com os capangas, agora dela. O primeiro atingiu o monitor do computador, o segundo sua testa. É, não deu tempo.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Provérbio

Não idealizes ser sol
Se és estrela-do-mar
Mesmo que te esforces
Nunca, o sol, serás
Brilhe tua própria luz
Sê estrela,
Assim o brilho d'outra
Não te ofusca
Faça da tua busca
Algo bom de se sorrir
Não te entristeças
Pelo vencedor
Ganhe tuas guerras
Vá pela senda do amor
Principalmente do auto-amor
Não invejes
Mesmo emanando negatividade
Nunca serás o outro
Nunca estarás no lugar dele
Nunca sorrirás seus sorrires
Nunca dormirás seus sonos
Podes destruí-lo
Mas, nunca sê-lo
Levanta-te, invejoso
Não rastejes,
Mata a víbora
Que se alimenta de ti
Mata-te e nasce de novo
Renova-te!
E não invejes!